Garoto do DF pratica basquete, natação, skate e tem tempo para namorar. Médicos disseram que ele não passaria dos 2 anos e recomendaram aborto.
Isabella Formiga,
O brasiliense Mateus Moreira, de 14 anos, exibe com orgulho as mãos calejadas de andar de skate: por conta de uma malformação congênita, ele nunca conseguiu movimentar as pernas. Nem por isso ele deixa de fazer manobras na prancha ou de praticar stand-up paddle, vela adaptada, basquete e natação. À parte dessas atividades, ele ainda arruma tempo para estudar, tocar bateria e sair com a namorada, com quem se relaciona há sete meses.
Mateus Moreira em skate (Foto: André Redivo/Reprodução)
A mãe dele, Adriana Moreira, estava grávida quando soube que o filho nunca andaria por conta da mielomeningocele, o tipo mais grave de espinha bífida. A doença impede que os ossos da coluna vertebral se desenvolvam adequadamente durante a gestação. O médico disse a ela que a criança não sobreviveria por mais de dois anos e recomendou o aborto. Ela não concordou.
“A princípio, a gente fica chocado. Sempre espera que o filho seja perfeito”, diz ela. “Mas o susto maior foi na hora da notícia. Depois, pensei: ‘se Deus mandou para mim é porque sou capaz.” “E hoje, estou aqui”, emenda o menino, orgulhoso.
Desde que nasceu, o garoto já passou por cinco cirurgias. A primeira, sete dias após nascer, para fechar a coluna e proteger a medula. Por conta do procedimento, ele desenvolveu hidrocefalia e, uma semana depois, fez outra operação para colocar uma válvula para drenar o acúmulo de líquido no crânio.
Decidida a oferecer uma boa qualidade de vida para o filho, Adriana passou a pesquisar sobre a mielomeningocele, mas não encontrou muitas informações. “Só via menino com cabeça grande, não conseguia ver uma pessoa que poderia se desenvolver. Foi então que me disseram: 'Olha, se ele tiver a mente boa, ele vai para onde quiser”, diz.
A mãe decidiu então que não deixaria o filho parado em casa e que faria tudo para incentivar ele a ser independente. Ela o matriculou em escolas comuns e o incentivou a praticar esportes desde pequeno. Aos três meses, teve as primeiras aulas de natação, que ajudaram a fortalecer a musculatura dos braços. Depois, passou à equoterapia. A atividade física o ajudou a se sentir autoconfiante e a fazer novos amigos.
Mateus Moreira com a namorada (Foto: Mateus Moreira/Arquivo pessoal)
Vida
Adriana conta que quando Mateus era criança, as pessoas olhavam com pena na rua. “Íamos para o supermercado, shopping, e todo mundo olhava e perguntava, 'tadinho, o que ele tem, por que está na cadeira de rodas?”, diz. Mateus, no entanto, diz que nunca se sentiu vítima e que "nada é impossível".
Mateus Moreira andando de skate (Foto: Mateus Moreira/Arquivo pessoal)
Quando ele quer fazer algo que não pode, como andar de bicicleta, encontra uma forma de adaptar o veículo à cadeira de rodas. “Falei que queria andar de moto, e agora existe uma adaptação que bota na cadeira. O jeito é pensar em formas de adaptar a cadeira de rodas ao que se quer fazer”, diz.
A mãe diz que o filho é totalmente independente em casa. “Ele se vira. Digo a ele: 'Mateus, vai tomar banho'. Quando vejo, ele está lá. Leva a cadeira, desce, tem uma cadeira especial, se veste, vai para a cama, para o quartinho. Às vezes vai se arrastando, andando com as mãos”, diz.
Acessibilidade
As maiores dificuldades enfrentadas pelo menino, segundo Adriana, dizem respeito à acessibilidade. No mês passado, a família ganhou uma ação contra uma rede de lanchonetes que impediu Mateus de usar a fila preferencial. “Quando ele entrou na fila, o funcionário disse que o preferencial era só para gestante e idoso e que ele iria ficar na fila como qualquer pessoa comum”, diz.
Adriana Moreira e o filho andando de stand up paddle no Lago Paranoá, em Brasília
(Foto: Adriana Moreira/Arquivo pessoal)
A mãe foi à lanchonete tirar satisfações. “Questionei o funcionário. Como assim? A lei é para todos. A fila pode ter milhões de pessoas, tem que ter preferência”, diz.
Sem conseguir convencer o atendente, ela foi até a administração do shopping protocolar uma reclamação. Depois, recebeu uma ligação da franquia, que ofereceu uma caixa de doces como pedido de desculpas. Ela recusou o presente. “Não quero caixa, quero que a Justiça seja feita, porque vocês feriram a lei.”
Adriana entrou então com uma ação na Justiça, que três meses depois obrigou a rede de lanchonetes a pagar R$ 5 mil de indenização por danos morais ao garoto. A empresa recorreu. “É o mesmo que falo para ele. Brigo, luto pelas vagas de deficiente. A gente chega e estão sempre ocupadas. Às vezes estaciono atrás para impedir a pessoa de sair enquanto tiro a cadeira dele.”
Sonho
Inspirado em skatistas como Og de Souza e Ítalo Romano, também deficientes, Mateus diz querer se profissionalizar no esporte e cursar educação física. Ele diz ter vontade de motivar pessoas em situação semelhante a não se deixarem abater e diz que gostaria de um dia dar palestras para deficientes e contar a história dele. “Diria a elas que nada é impossível. Você pode ir para onde quiser”, diz. “Diria: não desista dos seus sonhos.”
Mateus Moreira tocando bateria (Foto: Mateus Moreira/Arquivo pessoal)