Um dos nomes mais importantes da fotografia de skate do Brasil fala sobre sua trajetória, que começou na região da antiga Boca do Lixo em São Paulo até construir uma carreira de sucesso através de fotos emblemáticas da história do skate brasileiro.
Aos 52 anos, com 30 anos de experiência em fotografia, temos o prazer de apresentar o Por Trás das Lentes com o mestre Shin Shikuma.
Onde e como a fotografia entrou na sua vida?
Foi no início dos anos 80. Fui a extinta Boca do Lixo, na região da Luz, à procura de trabalho na área de cinema…, conheci algumas produtoras…. Na Juan Barjon Prod, tive a minha primeira oportunidade como fotógrafo Still, que acompanha a produção fotografando tudo, e esse material depois é usado na promoção da película, em outra produtora a Sadi Baby Prod, eu na mesma função, viajei com a equipe até os confins de Santa Catarina, na cidade de Xaxin (que em japonês quer dizer: foto) para uma produção “On the Road Bizarro Tupiniquim”, vamos dizer que foi minha iniciação no mundo da fotografia, e estabeleceu um estilo de vida.
Quando um leigo vê uma foto bem realizada, ele não faz idéia de quanta dificuldade está embutida naquela imagem…
Você se lembra quando e qual foi sua primeira foto de skate e quem era o fotografado?
Eu considero a minha primeira foto de skate, a que fiz com Daniel Trigo dentro do túnel da 9 de Julho, explico. Já tinha feito outras, mas essa foi a primeira foto pensada e realizada na exata persepção da essência do skate que eu queria passar.
Qual a maior dificuldade de fotografar skate?
Tudo a que você se dedica com afinco, tem seu ingrediente de dificuldade inerente, com a fotografia de skate não é diferente. Ela tem seus macetes e regras, que você só vai descobrir praticando. Quando um leigo vê uma foto bem realizada, ele não faz idéia de quanta dificuldade está embutida naquela imagem, que vai desde utlizar lugares proibidos, a difculdade da realização da manobra por diverso motivos, e a sorte de ser roubado em plena execução…, mas isso são ossos do ofício. Como disse tudo tem sua dificuldade, mas se você tem amor pelo que faz, não há dificuldade que supere o prazer da realização.
Não concordávamos com nada, com as marcas, a postura da maioria dos skatistas, e como esse mundo do skate olhava o seguimento downhill.
Apesar de ter atuado em todas as modalidades do skate, você é considerado o melhor fotógrafo de downhill. O que você acha disso?
Acredito, que foi só pela minha dedicação. Ela não é tão difícil quanto uma foto de street ou vert, cabe a você descobrir a melhor forma de captar um momento seja ela qual for. Quando comecei a fotografar downhill com mais intensidade, percebi que existiam poucas imagens registradas de qualidade, que mostrassem o quanto essa modalidade é emocionante, da forma que sentimos quando assistimos a um desempenho de alto nível de downhill. Então usei a minha experiência como fotografo para buscar ângulos, enquadramentos e o registro exato do momento de cada manobra, para tentar expressar toda essa dimensão que estou falando.
Sua proximidade e amizade com Sergio Yuppie e o saudoso Willians Indião resultou na Curva de Hill. Conte um pouco como surgiu e se ainda teremos continuídade neste projeto.
Sim, o Indião e o Yuppie são a alma dessa ideologia, eu entrei para dar visibilidade e uma cara black para essa dupla infernal de conturbadores. Claro que eu também puz muito fogo na lenha…, mas isso são outras histórias… Conheci o Yuppie na época da entrevista dele pra uma revista e o Indião em consequência disso. Aí juntou a fome com a vontade de comer, entende? Tínhamos a mesma vibe de polemizar o mercado, como ele se apresentava naquele momento. Não concordávamos com nada, com as marcas, a postura da maioria dos skatistas, e como esse mundo do skate olhava o seguimento downhill, torcendo o nariz e menosprezando como se fosse algo insignificante. Como era possível tanta falta de visão?! Foi por isso que montamos a Curva de Hill, pra levantar essa bandeira e chamar atenção. Muita atenção, através de ações, gerando conteúdo editorial, fotos, e viagens como a Curva de Hill Tour Cubatão, e algumas interveções em alguns eventos que achavamos oportuno conturbar. Agora depois de 10 anos, o mundo é outro, o downhill é muito respeitado, e estamos na ativa. Estamos mais tranquilos e mais atuantes como marca, realizando ações com a nossa cara e produzindo shapes ‘hand made’, com qualidade de quem entende de verdade do assunto.
Tivemos a idéia e sem pestanejar fomos a ação! A idéia inicial seria eu subir junto no topo na Oca, mas não consegui (risos).
Você já citou que tem o sonho de lançar um livro, este projeto ainda está de pé?
Acredito que tudo tem seu tempo certo de acontecer, todo dia eu trabalho no livro, então um dia ele estará em minha mãos, e nos olhos de que quiser ver.
Qual é a sua foto preferida e por quê?
É difícil falar de uma preferida, mas tenho algumas importantes. Vou citar três: 1ª – “Daniel Trigo – A volta dos mortos vivos”. Queria uma foto, que transmitisse a essência do que significa andar de skate, sem uma manobra, mas remando, interagindo com essa cidade e ao cinema, que amo tanto quanto o skate. 2ª – “Renê (Shigueto) na Oca”. Algumas da melhores fotos de skate, surgem assim, pensando juntos, idealizando, correndo riscos.. Essa foi emblemática dessa comunhão. Tivemos a idéia e sem pestanejar fomos a ação! A idéia inicial seria eu subir junto no topo na Oca, mas não consegui (risos), fora o segurança que poderia nos flagrar a qualquer momento , então de raiva fiz a melhor foto de longe! 3ª – “Yuppie e o fogo” – Outra foto que envolvia um risco muito grande, mas era o momento de fazer, sem pensar. Alguns litros de gasolina, com muita adrenalina, flashes posicionados, e tudo correu perfeitamente. Uma foto que exprime um sentimento forte de anarquia, mas tem muito de espetáculo e show, ingredientes que o skate sempre se utilizou.
O que você vê e sente do mundo é só seu, mas a fotografia propicia o compartilhamento dessa solidão. Como você definiria seu estilo de fotografia?
Eu tenho uma preocupação básica, quando fotografo skate, fazer o melhor possível, dentro das condições que se apresentam. Esse melhor envolve tudo que tenho como informação visual, senso estético e emocional. De como gosto de recortar, e qual resultado quero obter, toda essa equação eu resolvo na hora, não fico pensando muito, é um processo muito intuitivo, tenho tudo dentro de mim, mas na hora deixo por conta do irracional, afinal é uma espécie de jogo criativo, onde você estabelece as regras, mas não tem um controle absoluto de nada, e assim tem sido. Posso dizer que sou um esteta visual, mas é um rotulo, sinceramente não tenho essa definição, essencialmente a fotografia, pra mim é uma forma de se relacionar mais efetivamente que as outras formas de relações humanas, pois através dela tenho um relação mais objetiva com o mundo, apesar de sua grande subjetividade. Talvez seja isso que importa. O que você vê e sente do mundo é só seu, mas a fotografia propicia o compartilhamento dessa solidão.
Qual skatista que você ainda não fotografou mas tem vontade de fotografar?
Tenho vontade de fotografar o próximo skatista que surgir com aquela vibe, que tanto aprecio nos skatistas de verdade. A alegria de poder mostrar ao mundo, o quanto ele é feliz fazendo o que faz, e o quanto é importante pra ele fazer uma foto comigo.
Qual a dica que você daria para aquelas pessoas que pretendem entrar no universo da fotografia de skate?
Independentemente do que você for escolher fazer da sua vida, quando fizer essa escolha, faça sempre a coisa certa, e onde está essa bússola? Tá na sua conciência. O que eu quero dizer é que se você crescer seus olhos para uma mina de dinheiro que você supostamente acredita haver no mundo do skate, pode ir desistindo, que isso é uma miragem, mas se houver um envolvimento emocional, um sentimento verdadeiro com esse mundo, você vai encontrar um jeito de sobreviver, mas não vai ficar rico, mas sera rico em vivência, pois para viver retratando esse mundo, você tem que mergulhar fundo nela. Com seu coração, corpo e mente. Ela tem que fazer parte de sua vida diária, e à partir disso você vai extrair dela algum componente emocional que valha a pena ser visto.
Como estão seus trabalhos com a fotografia de skate hoje em dia?
Quando sai da revista que trabalhei por mais de 15 anos, confesso que fiquei desorientado, era a minha vida, o que fazer agora, A verdade é que agora nao tenho feito muito mais fotos de skate como gostaria, mas do que posso reclamar, vivi esses anos todos, com skate e pelo skate, fiz verdadeiros amigos , viajei o mundo com o carrinho e vivi experiencias memoraveis, e principalmente, construi uma trajetória concistente como fotografo de skate. Nesses dias revirando os meus arquivos, me dei conta disso, que o tempo passou rápido demais, mas eu fiz alguns registros históricos, e agora chegou a hora de compartilhar isso de diversas formas.
Atualmente você é sócio-proprietário de uma skate shop. Ainda tem tempo e disposição para fotografar skate?
Eu sinceramente acreditei que seria um bom logista, tocar a minha vida atrás do balcão, vender as peças, atender bem os clientes todo dia…mas aquilo foi me sufocando e o fato de não fotografar agravou mais a situação, conclusão, acabei por romper a sociedade, e escolhi retomar o caminho que sempre trilhei…a tempo!
Alguma mensagem final?
Em primeiro lugar, agradecer a você, Hiroshi, pela oportunidade. Gostaria de deixar uma mensagem em aberto, já que a oportunidade foi dada, pra dizer pra quem esta começando em qualquer área, principalmente na fotografia de skate, construa algo novo, viva cada momento com intensidade e se divirta com consciência, a vida é curta demais.